A ragged man came shuffling through…

pazcelestial

Foto por Jeff Widerner http://www.jeffwidener.com

Há 20 anos, no dia 4 de junho, uma série de protestos de estudantes chineses resultou em violenta repressão na Praça Tianenmen, na China. E dias depois este protesto (ou massacre) gerou a letra de uma das músicas mais importantes da carreira do Marillion.

Em 1989, o clima de insatisfação do povo chinês chegou a seu ponto máximo. O sistema vigente era formado por corruptos, e a desigualdade e repressão do regime levaram a uma união impensada entre setores de classes sociais e formações diferentes. O grupo de chineses, represenntados majoritariamente por estudantes e trabalhadores, tomaram as ruas de Pequim para realizar uma série de protestos pacíficos, constituídos basicamente de marchas pela cidade.

Também em 1989, o clima era de mudanças para o Marillion. Com a separação do Fish, o vocalista e cartão de visitas da banda, havia uma incerteza no ar. Steve Hogarth, munido de um balde vermelho cheio de fitas de suas ex-bandas (Europeans e How We Live), se apresentou para ocupar a posição e a banda foi à luta, com o peso da necessidade de se reinventar.

Os protestos em Pequim ganharam características mais sombrias quando o governo chinês decidiu reagir com rigor contra os protestos. O exército foi às ruas na noite de 3 de junho e o clima de terror se instalou. O período negro dos protestos se iniciava.

No Marillion, a repressão vinha de um grande grupo de pessoas – de fãs è mídia – que já haviam dado a banda como morta, e reagiram mal a um novo vocalista, de background e personalidade tão distantes do antigo. O período negro da transição da banda se iniciava.

O amanhecer do dia 4 de junho foi devastador. Tanques e infantaria do exército chinês começaram a dissolver o protesto com violência, com uma estimativa entre 400 e 7000 (!) mortos em um único dia.  O dia 5 de junho ficou marcado por uma imortal imagem feita pelo fotógrafo americano Jeff Widerner, com um solitário protestante desasfiando uma fila de tanques (imagem que ilustra o topo desta mensagem). Era a representação de que a coragem e a dedicação ao que se acredita sempre vão superar a força.

Em 1989, o Marillion lançou o álbum Seasons End, que mostrou uma banda madura, segura de si e com composições que se tornariam clássicos imortais da banda (como “Easter”). O disco foi muito bem recebido por crítica e fãs, além de mostrar a todos que não acreditavam o enorme talento daquele novo vocalista. O álbum marca a renovação da importância da banda e sua força. Era a representação de que a coragem e a dedicação ao que se aredita sempre vão superar a desconfiança alheia.


seasons-end1As duas histórias se unem de maneira avassaladora em “The King Of Sunset Town”, com letra originalmente escrita por John Helmer, que falava de moradores de rua em Londres.

Porém, o clima dos protestos e do massacre sentido durante as gravações do disco levou Steve Hogarth a reescrevê-la e trazê-la para o tema. O título se refere a uma pessoa que crê ser rei, mas que está presa a convicções antiquadas, retrógradas, em uma referência a Deng Xiaoping, principal dirigente da República Popular da China entre 1976 e 1997.

Apesar de tratar do tema em todos seus versos, a letra faz três referências explícitas aos acontecimentos do começo de junho de 1989:

“An avenue of eternal peace…”

Referência à Praça da Paz Celestial (que na verdade é traduzido como “celestial peace”, mas tem em “eternal” um sinônimo aceitável)

“…on the 4th of june…”

Referência à data do massacre.

“…before the 27th came…”

O 27º Batalhão do exército chinês foi responsável pela maior parte do massacre do 4 de junho. Era responsável pelos tanques que passavam por cima dos protestantes.

O mais incrível da música é ela falar de mudanças tão profundas na história do mundo, ao mesmo temmpo em que ela é um símbolo de mudanças profundas na história da banda. É impossivel não pensar como o clima do planeta inteiro, acompanhando os protestos pela TV, não tenha influenciado a banda em mais de um nível.

Com “The King Of Sunset Town”, o Marillion abandonou os temas espirituais do Fish e embarcou em letras mais humanas, mais realistas. Não à toa, o mesmo disco conta com “Easter”, um tratado sobre a violência dos confrontos entre irlandeses e ingleses.

1989 mudou o mundo e mudou a banda.


A letra inteira pode ser lida neste link .

Mais uma vez, eu não seria nada sem o Explanation Of Song Elements, do Fraser Marshall, para completar as lacunas das histórias por trás das letras da banda.

Vale conhecer a história do massacre a fundo, tanto na Wikipedia quanto nos arquivos do New York Times . Este link leva a todos os artigos do jornal desde o dia 20 de maio (quando a lei marcial foi decretada) até o dia 6 (término do massacre).

6 Respostas para “A ragged man came shuffling through…

    • Cara, eu já recebi vários elogios, mas o seu foi o melhor. O grande objetivo disso é trazer gente nova para a banda. Quando leio comentário assim eu tenho certeza de que tou acertando. Forte abraço.

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